Capítulo Seis

Coloquei a mão na maçaneta da porta e girei-a lentamente. A porta não estava trancada. Respirei fundo, e abri-a. Fiquei completamente sem palavras, pois aquela surpresa, comparada com a que tinha tido há cinco minutos, era bastante maior…







- Os meus avós… Exploradores?! - pronunciei, ainda boquiaberto.
Nas várias fotografias, eles encontravam-se juntos, e vestidos tal e qual como um casal de exploradores à procura de aventuras. As antigas fotografias a preto e branco retratavam pormenorizadamente cada detalhe da face dos meus avós, e eram tão assustadoramente detalhados, que me provocaram um ligeiro arrepio. Ali sentia-me na presença deles. Afinal, era por aquilo que os meus avós se ausentavam tanto tempo durante o Verão...
Eles construíram um santuário para fugirem ao seu dia-a-dia agitado e cansativo, e passavam ali horas juntos, e a recordar as suas fantásticas aventuras…
Depois, olhei para uma fotografia grande que estava junto à secretária. Demorei algum tempo a perceber quem eram, mas as suas caras são inconfundíveis.


Bem, a partir daquele momento, já podia dizer que eu e o meu pai já fomos bastante parecidos… Estava com um grande sorriso, algo que raramente se podia observar, ou até mesmo imaginar. Ao seu lado, a Tia Lucille mostrava um olhar travesso e brincalhão. Aí apercebi-me de que a razão que tornou o meu pai tão severo não começou na sua infância. Eu sempre quis saber porque é que isso aconteceu, mas sempre que falo disso, tanto a minha mãe como o meu pai ignoram o assunto.
Em cima da secretária, estava uma carta, junto com uma fotografia antiga da Avó Lucinda.



Estava muito mais jovem, e tinha sem dúvida a cara da Tia Claire. Tanto os olhos como a cara, relembrava-me muito a Tia. Eu decidi pegar nessa fotografia e guardá-la. Assim, ao contrário das que estão nas molduras, ninguém daria pela sua falta... De seguida, peguei na carta, e li um bocado. Datava de 1914, e era claramente uma carta de amor para a Avó. Debaixo dessa carta, haviam mais, muitas mais declarações tanto da Avó como do Avô.
Olhei para a outra ponta da secretária, e vi algumas ferramentas de aventureiro amontoadas.

 
Haviam alguns diários, cheios de selos e de anotações, uma antiga bússola, uma lupa enorme  já rachada, e um mapa bastante velho, e já a partir para a decomposição. Não li nenhuma das entradas do diário, pois a minha prima já começava a estar impaciente, com tanto momento familiar. Apesar de serem os seus tios-avós, ela preferia ir para casa, para finalmente tomar o pequeno-almoço…
Abri algumas gavetas, na esperança de encontrar alguma coisa relacionada com a morte dos meus avós. Apesar de nem eu acreditar nem saber bem o que estava a fazer, eu continuei a procurar. Até hoje continuo sem saber porque é que naquela altura eu era a única pessoa no mundo a acreditar que algo - ou alguém - matou os Avós...
Quando estava à beira da exaustão, pois aquela era a secretária com mais gavetas que eu já tinha visto, encontrei algo que ainda me confundiu mais. Uma fotografia. Era uma mulher com um vestido branco, com cabelos castanhos e olhos turquesa. Foi aí que, ao olhar para aquela fotografia, me apercebi de como aquela mulher era igual à minha mãe.


A cara, a aparência, a expressão, tudo. Tirando o facto de a cor do cabelo ser ligeiramente diferente, aquela ERA a minha mãe. Mas porque é que uma fotografia dela estaria dentro da gaveta da secretária dos meus avós?


Capítulo Cinco

Era... uma divisão... escondida... e cheia de tesouros e relíquias...

Os dois cantos dessa sala tinham um monte gigante e comprido de moedas antigas, e com várias estátuas, baús e dois grandes buracos que começaram a libertar fogo assim que as portas se abriram.

Nós ficámos maravilhados. Uma sala do tesouro? Dentro da minha própria casa? Nunca imaginei que tal coisa acontecesse...
A minha prima apontou para um quadrado cinzento no chão. Tinha nela gravados dois pés, e ela presumiu de imediato que servia para abrir algo.
Depois de apanharmos algumas moedas antigas do monte, e de as termos colocado nos nossos bolsos, ela colocou-se em cima do quadrado.
E como seria de esperar, uma porta vinda do nada abriu-se.
Entrámos, e vimos que aquela porta nos levavava um corredor enorme.
Avançámos então.
- Onde achas que isto nos vai levar? – perguntou-me a Lindsay.
- Eu estou mais curioso em saber porque é que tenho um túmulo debaixo da minha casa!! – respondi, um bocado nervoso, e ofegante por causa da correria. Aquele corredor devia ter pelo menos dois quilómetros...
Até que chegámos ao fim desse corredor. Pelo menos parecia, pois à direita o corredor continuava, mas desta vez bastante mais estreito. Decidimos quem iria à frente.
E por acaso calhei eu. No fim desse corredor, havia uma entrada.
Eu abri a porta, cuidadosamente pintada da mesma cor que as paredes – um castanho seco, e entrei, seguido da minha prima.
Estava completamente escuro, e tive que tactear para encontrar o caminho. De repente, apercebi-me de que chegámos ao fim daquele corredor. Até que enfim! Aquilo tresandava...
E onde é que fomos dar? A mais um corredor!

- Charlie, tens a certeza de que não andámos às voltas? – perguntou-me a Lindsay.
- Claro que não! Isto tudo deve ter sido feito para proteger o verdadeiro tesouro!
- O quê? Ainda achas que há mais um tesouro?
- Não sei, é só um palpite meu!
No fim desse enorme corredor, e já exaustos, chegámos finalmente ao fim. A Lindsay notou que no chão estava outro interruptor, e desta vez, fui eu quem fiz as honras.
Cheguei a uma divisão pequena, e estranhamente familiar. O cheiro, a decoração... Sentia que já ali tinha estado, quer num sonho quer na realidade... Mas o tamanho e o agrupamento desorganizado dos objectos sugeriu que aquilo seria uma cave.
Nós os dois parámos em frente à porta que ali estava. O nervosismo voltou outra vez...

Capítulo Quatro

Sexta-feira, 23 de Agosto de 1968
Hoje, para variar, não foi uma campainha que me acordou. Desta vez, acordei ‘sozinho’. A minha prima também acordara. Ela tinha ficado a dormir no meu quarto. Dormiu numa espreguiçadeira velha que estava na cave.



- Então? O que queres fazer hoje? Brincar com os teus carros? Jogar à bola? - perguntou.
- Não sei… Podíamos ir buscar a bola à cave!
- Está bem! Vamos?
E lá fomos os dois até à cave. A Lindsay mudou de roupa, mas eu preferi ir mesmo de pijama. Afinal de contas, estava na minha casa…


 
A bola estava ao pé de algumas malas.
 
 
Enquanto eu limpava o pó da bola com a manga, a Lindsay apontou para uma das duas portas que estavam na cave.
- Para onde vão dar aquelas portas? - perguntou.
- Não sei… Estão fechadas há anos…
- Achas que devemos…
- Tentar entrar?! - presumi.
- Bem, eu estou tão curiosa como tu, não é?
- Sim, acho que sim…
Nós os dois dirigimo-nos para a frente da porta.



- Hum… Agora como é que entramos?
Eu olhei para uma pá que estava pendurada na parede.


Peguei nela, e dei algumas pancadas na parte inferior da porta, mas ela continuou imóvel, e sobretudo, fechada. Continuámos a tentar, desta vez a segurarmos juntos na pá. Mas mesmo com pancadas fortes, a porta manteu-se imóvel. Mas mesmo ao fim de dez minutos de esforço, a porta não se moveu nem abriu nem um milímetro.

Até que, para limpar o suor, a minha prima moveu o cabide que estava no canto da cave, para tirar algumas toalhas. Depois de me secar, reparei num pequeno interruptor na parede, no sítio onde estava o cabide.



É claro que carreguei de imediato nesse interruptor…
Arrumámos o cabide no sítio, e esperámos alguns segundos. A minha prima começou a ficar impaciente.
- Então? Abrem-se ou não?
- Mas Lindsay, se calhar, o interruptor não era mesmo para abrir as portas!
E dito isto, a porta abriu-se. Ou melhor, as portas abriram-se.


 
Ficámos os dois nervosos, pois não sabíamos o que nos esperava… Mas enfim, demos as mãos, respirámos fundo, e entrámos.
 

Capítulo Três

Segunda-feira, 20 de Agosto de 1968

- Onde estou? - perguntei eu em voz alta.
Encontrava-me numa divisão totalmente branca, que de tão brilhante me ofuscava com tão intensa claridade. Olhei para todos os lados, e não vi nada nem ninguém. Onde estaria eu? De repente, duas figuras conhecidas surgiram ao longe.


- Avô? Avó? - perguntei.
- Charlie… - disse o meu avô.
Eu quis abraçá-los, ir ter com eles, mas cada passo que dava fazia-os afastar cada vez mais. Decidi então permanecer no mesmo sítio.
- Avó? O que aconteceu?
- Charlie… Só tu poderás descobrir… - respondeu-me a avó.
Eu ficava cada vez mais confundido. Só eu poderia descobrir?
- Como assim?
- És um rapaz astuto e inteligente! Irás descobrir… um dia!
Quis fazer mais perguntas, mas eles continuavam a afastar-se cada vez mais.


Até que acordei. De novo, a campainha interrompeu o meu sono.
Daquela vez, foi a minha mãe que se dirigiu até á porta. Eu caminhei até à entrada para ver quem era.




- JOHN! A tua irmã está à porta.
Era a Tia Claire.
O meu pai demorou pouco até ir ter com a irmã. Deu-lhe um forte abraço, seguido de um suave beijo na face. Eu afastei-me para dentro do meu quarto. Preferi não interromper um momento de irmãos. Peguei num livro que estava na estante do meu quarto e continuei a lê-lo.




Os dois conversaram um bocado. Quando o meu pai entrou para o quarto para se vestir, eu decidi também fazer o mesmo.



Hoje, tinha à minha espera em cima da cama um fato negro adequado ao funeral. Esperei na entrada, e pouco depois, apareceram os meus pais, as minhas tias, e mais uma prima afastada que também veio.



A prima Audrey tida trazido a filha, a minha prima Lindsay. Vi-a escassas vezes, mas quando brincávamos juntos, ela até era uma boa companhia. Como já todos estavam prontos para o funeral, fomos até ao Cemitério de Vila Velha.
A viagem foi curta. O meu pai indicou-nos onde estavam as urnas dos avós, e nós juntámo-nos em volta delas. O meu pai e as suas irmãs ficaram à frente. Foi doloroso vê-los sofrer assim. Eu não desejaria aquela dor a ninguém, nem mesmo ao meu pior inimigo.


Naquele momento, lembrei-me de como eles me aconchegavam e tratavam de mim com tanto carinho, quando lá ia passar o dia. Lembrei-me da última vez de que lá estive. Fora no mês anterior. Lembrava-me tão bem da comida que a avó Lucinda preparou, e do quadro magnífico que pintei com o Avô Darren. Foi o sentimento de que essas pequenas mas significativas coisas nunca mais iriam acontecer que me fizeram escorrer várias lágrimas pelos olhos. Eu virei a cara para o lado, pois nunca gostei de que me vissem chorar. A minha mãe percebeu porquê, e para evitar chamar a atenção, deu-me um lenço. Aquele gesto fez-me perceber de que o amor dos meus avós é tão grande como o dos meus pais. Não consegui mesmo conter um pequeno e subtil sorriso ao dar conta disso. Foi aí que todos os meus remorsos e a saudade dos meus avós começaram a diminuir parcialmente.

Capítulo Dois

Chegámos umas horas depois à casa dos meus avós.


O meu pai achou estranho o facto de estar um carro da polícia em frente da casa. Ele começou a ficar preocupado e decidiu ir perguntar ao agente da polícia que estava ao pé da porta o que se passara.


Quando o agente acabou de falar com ele, ele desatou a correr para dentro da casa e ficou quase que paralisado ao pé da porta. A minha mãe caminhou até à porta, espreitou, e deixou-se ficar na entrada. Ela não quis entrar. E até hoje eu desejo também não ter tido entrado.



- N-não... – proferiu o meu pai, tão chocado como nós os dois.
- Q-quem poderia ter feito isto?! – gritou de seguida.
- É isso que estamos a investigar agora, Sr. Brownwood – respondeu-lhe o agente.
Aquela cena foi horrível. Ver os meus avós no chão sem vida... Foi perturbante. Os dois estavam deitados no chão da sala, inconscientes, e com uma cara de quem não morreu feliz. Naquele momento, eu desejei estar em qualquer lugar do mundo menos naquela casa.
Eu chorei tanto como o meu pai, acompanhando-o no sofrimento contagiante que aquela cena provocara.


O agente disse que se ia embora, e que a equipa que ia buscar o corpo não tardaria em aparecer. Deixou-nos então sozinhos, a sofrer por tão terrível perda. Quando acabou a choradeira, o meu pai pegou no telefone dos meus avós e telefonou para a sua irmã mais nova, a minha Tia Claire.
 
 
- Estou? Claire? É o John. - começou.
Passado um bocado, ele levou-nos para casa.


Não proferiu uma palavra durante a viagem, e assim que chegou a casa, vestiu-se e preparou-se para dormir. Mas antes de ir para a cama, disse-nos a todos:
- Amanhã será o funeral.
Eu deitei-me uns minutos depois. Mal consegui adormecer, ainda com aquela imagem gravada na minha memória. Eu desejei esquecê-la, desejei acreditar que tudo aquilo não passou de um sonho, ou melhor, um pesadelo horrível que mudou por completo a Família Brownwood, e sem dúvida, o meu pai.
Finalmente, por volta das dez da noite, fechei os olhos e adormeci.

Capítulo Um

Domingo, 19 de Agosto de 1968

Naquela manhã de Domingo, fui subitamente acordado pela campainha. Era muito cedo, e aquele barulho ruidoso fez-me acordar. Levantei-me, dificilmente, ainda com bastante sono, e espreitei devagar pela porta do meu quarto. Pelos vistos, o meu pai já estava acordado há algum tempo. Esteve a ler o jornal desde as sete horas, ou então a ver o noticiário da manhã. Ele caminhou pela entrada adentro, e abriu a porta. Pareceu surpreendido por ver que era a sua irmã mais velha quem lhe estava a fazer uma visita…


Eu nunca gostei muito da Tia Lucille, nem dos seis dezoito ex-maridos, nem de quando ela ficava a viver na nossa casa durante uma semana até se ‘recompor’ da tristeza que foi ser abandonada por mais um homem. Mesmo que tenha sido ela a acabar a relação, ela vem sempre aqui passar umas pequenas férias. A minha mãe já pressionou o meu pai para que ele a faça parar, mas ele não era capaz de ferir os sentimentos da irmã mais velha, que cuidou dele desde que ele era um pequeno bebé. Eles os dois ficaram a conversar durante algum tempo. Fiquei então a ouvi-los por trás.
 
 
- Então, Lucille, o que aconteceu desta vez? - perguntou o meu pai.
- Oh, John, fui traída mais uma vez por um homem sem coração! Por favor, dá-me um lar até eu recuperar desta tragédia terrível… - afirmou ela dramaticamente.
- Mas Lucille, sempre que te acontece isso, vens para cá! Porque é que não compras uma moradia em Twinbrook, ou algo assim?
- John, sabes perfeitamente que a maior parte da herança dos nossos pais foi para ti! Se ao menos a Mãe me tivesse deixado o suficiente para comprar uma casa pequena aqui perto…
- Mas ela deixou-te 20 000 Simoleões! Porque é que achas que isso não chega?
- Hum… Não sei se sabes, mas alguns dos meus ex-maridos gastaram quase toda a minha fortuna quando disseram que me iam ‘fazer feliz’. Até hoje espero por isso!
- Bem, está bem, podes ficar mais uma vez.
- Quem é que pode ficar mais uma v… - começou a minha mãe, saindo do quarto. A choradeira da minha tia deve tê-la acordado.


- JOHN!!! O que é que ela faz aqui outra vez?!
- M-mas, Jenny…
- Não me digas que ela foi abandonada… DE NOVO?!
A Tia fez a cara mais dramática que conseguiu e desatou a lacrimejar. A minha mãe ignorou-a completamente e foi para o quarto vestir-se, pois naquele dia, íamos visitar os avós. O meu pai fez o mesmo. Dirigiu-se para a porta do quarto, até que finalmente me viu ali parado.
- Ah, bom dia, Charlie. Vá, vai-te lá vestir.
Eu obedeci-lhe, indiferente quanto à choradeira que tinha assistido. pois já era normal ver a minha tia derramar lágrimas por alguém que a abandonou.

 
A minha mãe pegou na Sue, a minha pequena irmã, e entrámos todos dentro do carro. A Tia ficou em casa, a derramar mais lágrimas. Foram os avós que nos convidaram, para irmos lá almoçar. O meu pai nem pensou duas vezes, sempre adorou a comida da 'Vovó'. A minha mãe, lá torceu o nariz por se ir encontrar com a sogra, mas desde que ela faça o marido feliz, ela quer ir. Eu fui à frente, pois desde que completei o meu décimo segundo aniversário na semana passada, o meu pai deixa-me sempre ser um ‘homenzinho’.
 

Mas nada nos podia ter preparado para o que íamos ver a seguir…